À frente da Microsoft Brasil desde janeiro deste ano, Tânia Cosentino é engenheira elétrica, com experiência de 30 anos. Foi presidente da multinacional Schneider Electric, onde ganhou prêmios. Seu trabalho foi reconhecido nas áreas de clima organizacional, inovação, diversidade e inclusão, com ênfase no empoderamento feminino, frente na qual Tânia é uma líder do programa HeForShe da ONU Mulheres.

Em passagem por Porto Alegre, conversou sobre suas ideias com o Correio do Povo:

A presença da tecnologia no nosso cotidiano é uma realidade, mas ainda há pessoas que não acreditam na democratização no uso de suas potencialidades, inclusive no mundo dos negócios. Como a senhora enxerga isso?

A ideia de Bill Gates (fundador da Microsoft), já em 1975, era levar o acesso ao computador para a mesa de cada pessoa. Era impensável, até pelo valor que custava um aparelho deste na época. Hoje, está na palma da mão. A tecnologia não pode ser um inibidor para a escalada de um negócio, tem que ser um habilitador para o seu “core business” (atividade central de uma empresa). A missão da Microsoft é criar tecnologia para empoderar pessoas e organizações a conquistarem mais. E levar a Inteligência Artificial à nuvem para uma padaria, uma startup, um banco, uma Petrobras, para governos. Para qualquer tamanho de negócio. Temos que encapsular a tecnologia para que não pertença somente aos cientistas de dados ou aos nerds. Queremos que seja acessível a todos.

Como as empresas que ainda estão para trás neste quesito podem se inserir na transformação digital?

Uma vez fui em um evento em que um executivo de empresa me falou: “indústria 4.0 é puro marketing”. Não é não! O problema é como está sendo absorvido. Estou criando um produto novo? Tenho todos os canais possíveis para acessar os meus clientes e os novos? Estou otimizando a minha produção? Será que está se fazendo a pergunta correta? Não é só criar um aplicativo e achar que está fazendo transformação digital. É uma questão cultural. A tecnologia está disponível. Pode ser empresa pequena, média ou grande. O homem sempre teve medo do que a tecnologia poderia impactar no seu trabalho. Da máquina a vapor ao motor elétrico, muita automação tirou emprego de muita gente. Mas estes profissionais foram requalificados e pegaram outros tipos de trabalho. As pessoas precisam se preparar para não virarem obsoletas. Um estudo diz que as competências que temos hoje não servirão para o mercado daqui a cinco anos. A transformação cultural é mais importante do que a tecnológica.

Em um mundo em que a tecnologia não há como retroceder, como os dados podem ser usados de forma inteligente?

O dado é o novo petróleo, que também precisa ser refinado para ter valor comercial. Não usamos 10% dos dados disponíveis na rede. Se as empresas integrarem diferentes subsistemas, é possível utilizar esses dados e realimentá-los, entregando em tempo real. A Inteligência Artificial está aí para isso. Desde situações mais complexas, como um conserto em um motor de uma refinaria quanto algo simples como “chegou o seu pão quentinho” para clientes de uma padaria. Reconhecimento facial em escolas, serviços de prefeituras, procedimentos na saúde. Tenho um problema? A questão é como a tecnologia – que não é o fim, é o meio – pode resolvê-lo.

Atrasado em vários segmentos, o Brasil se posiciona em que patamar nesta transformação digital no mundo?

O Brasil gosta de tecnologia, mas ainda poderá evoluir em setores como a agricultura, em que podemos ter mais produtividade, e na educação e qualificação do jovem, onde, sim, estamos muito para trás. Em um estudo que fizemos junto com a Fundação Getúlio Vargas (FGV), daqui há dez, quinze anos, somente com Inteligência Artificial, poderemos avançar 6% no PIB. Teremos mais consumo, mas se não tivermos qualificação, será uma armadilha, teremos um desequilíbrio de balança comercial. Se não fizermos nada, a educação vira um problema econômico. A preocupação mundial é como requalificar a mão de obra de hoje para preparar as pessoas que perderão os empregos que deixarão de existir. Quais as profissões do futuro? Ainda não está claro. Temos projetos com o Senai para formar pessoas a trabalharem com Inteligencia Artificial. Somos exportadores de produtos como soja, por exemplo, mas podemos ser exportadores de cérebros.

Poderíamos controlar os desmatamentos na Amazônia com a ajuda da Inteligência Artificial?

Com certeza. É possível medir em tempo real e saber exatamente o que se está desmatando. Claro, quando se fala em porcentagem num país com as dimensões do Brasil, tudo é gigantesco. Mas é possível afirmar que está ocorrendo desmatamento ilegal e não é para produzir. Desenvolvemos na Microsoft projetos com a SOS Mata Atlântica para fazer com que a população ribeirinha se fixe na floresta. Temos que criar condições para que eles gerem renda porque, se não, não terão o que dar de comer aos filhos e vão sair de lá e morarem em favelas. Se for possível garantir desenvolvimento econômico e sustentável, o primeiro a preservar a mata é o caboclo. Já levamos, com nossos projetos, acesso à energia a algumas pessoas que tiveram suas vidas mudadas.

Como liderança no âmbito do empoderamento feminino, como enfrentar as adversidades a que as mulheres são submetidas, seja em casa ou no meio profissional?

Somos 52% de mulheres. A mulher está chegando mais longe que o homem, formando-se e se pós-graduando. Entra no mercado com a mesma ambição, mas na pirâmide nos negócios, vai caindo. No topo da pirâmide, apenas 8% de mulheres são líderes de empresa no Brasil. Esse número não melhora. Piorou nos últimos dois anos, no Brasil e no mundo. Fora o gap salarial que chega a 30% no país, e o mercado não enxerga, para desempenhar a mesma função. Aí começamos a formar grupos de mulheres. Mas nós não vamos mudar o jogo. Quem pode fazer isso são os 92% dos homens que têm o poder de contratar, promover, dar aumento e demitir hoje em dia. Aí foi criado pela ONU o HeForShe, que visa trazer ao menos um terço dos homens do planeta como embaixadores desta iniciativa. Um exemplo é a Maratona de Paris em que a ganhadora, para percorrer os mesmos 42 quilômetros de um homem, ganhava menos. A imprensa não estava esperando por elas. Na empresa que eu trabalhava, a Schneider Electric fez uma proposta reversa que buscou mudar isso. Todos subiram no pódio com o mesmo prêmio. Termos que buscar equidade porque desse jeito não é justo.

Também é possível debater para este assunto no âmbito da diversidade em geral, não?

Sim! O gênero é um dos pilares que precisam ser inseridas nos negócios. Na Microsoft, dada a velocidade das mudanças no mundo, não se respeita tradição, respeitamos inovação. Grandes empresas, de reputação no mercado, viraram pó. Não foram capazes de enxergar a ruptura que estava por vir. Se você não tiver um grupo diverso represente seus clientes, a sua sociedade, não vai conseguir perceber as dificuldades que determinado grupo tem. Quando você traz diversidade para dentro da sua empresa, enxerga o mercado como ele é. Homens brancos iguais que estudaram na mesma escola talvez não percebam algum movimento. Pessoas com deficiências físicas na nossa empresa criaram soluções que outras pessoas, fora deste contexto, talvez não tivessem condições de fazer. Digo o mesmo em relação ao universo LGBTI. Não importa origem, a faculdade que cursou, a religião, cor, opção sexual. Não importa o que você faça fora do trabalho. Na nossa companhia pensamos assim. Temos programas, como o grupo de negros para apoiar a inclusão racial. 54% da população brasileira é negra, mas a maioria não chega lá.

Por Christian Bueller – Correiodopovo