Como foi o mIRC para algumas gerações e é a Netflix para tantas outras, o Orkut constituiu a revolução digital para um grupo enorme de brasileiros. Só no país, 40 milhões de internautas abraçaram a rede social que se tornou um tubo de ensaio para outras iniciativas que, anos depois, dominariam a internet, como FacebookInstagram e Twitter (no mundo todo, foram mais de 300 milhões).

Com a possibilidade de compartilhar informações, criar e participar de comunidades virtuais, postar fotos, publicar depoimentos e distribuir atributos aos amigos (em vez dos “likes”, disparava-se ícones de sexy, confiante ou legal), o Orkut, lançado em 2004, virou uma paixão nacional: nenhum outro país teve tantos usuários quanto o Brasil.

– Fico impressionado como os brasileiros colocam grande ênfase e valor nas relações. Há muita paixão pela vida e abertura a novas experiências – diz o criador da rede, o turco Orkut Buyukkokten.

O serviço foi encerrado em 2014 pelo Google, em meio à fuga de internautas para o Facebook  e o MySpace. Agora, os fãs nostálgicos podem voltar a provar o sabor de sua primeira rede social. Orkut – não o site, mas o empreendedor – está de volta. Lançou em 2016 o aplicativo Hello, com a aura do velho Orkut: compartilhamento de fotos, adesão a comunidades, escolha de “personas” (áreas de interesse para seguir), troca de emojis e a inconfundível função “quem visitou seu perfil”.

– Queremos trazer a mágica do Orkut de volta – afirma o criador.

Não por acaso, o Brasil foi um dos primeiros países a receber o Hello, juntamente com Índia e EUA. O aplicativo funciona apenas por smartphones, o que permite acessá-lo em meio a outras atividades, favorecendo a troca de experiências. Em agosto, Orkut conhecerá Porto Alegre. Ele vem à Capital pela primeira vez participar do BS Festival, evento do Black Sheep Project que será realizado dos dias 16 a 18 no Quarto Distrito

Nesta entrevista, ele fala sobre as redes sociais modernas, disparando críticas a políticas de uso que primam pela expansão, mas deixam de lado a conexão entre as pessoas. Avalia o combate das grandes empresas às fake news (que considera falho) e dá dicas sobre como proteger a privacidade no uso da internet. 

O Hello, sua nova rede social, usa uma fórmula semelhante à do antigo Orkut, com comunidades e a união de pessoas com interesses semelhantes. Essa rede tem mais chance de prosperar?
A mídia social mudou tremendamente na última década. O Orkut foi uma jornada incrível, aproximou o mundo. O recurso mais popular e admirado eram as comunidades, pois oferecia um espaço orgânico para que os usuários compartilhassem o que amam com indivíduos que pensam da mesma maneira. Um dos resultados mais surpreendentes é que as comunidades transcendiam o site e levavam a conexões no mundo real. Testemunhamos muitos momentos mágicos, de usuários que fizeram novos amigos, encontraram o amor e até casaram e criaram famílias por causa do Orkut. A missão do Hello é levar as redes sociais de volta ao seu objetivo principal, que é permitir esse tipo de conexão. A maneira mais natural pela qual nos conectamos uns com os outros na vida real é por meio do que temos em comum – por isso essa ideia das comunidades. Projetamos toda a experiência do Hello em torno das comunidades. O aplicativo foi lançado apenas no Brasil – na Índia e nos EUA temos uma versão beta – e já alcançamos 1 milhão de cadastrados. 

Por que os brasileiros amam tanto as redes sociais, a ponto de o país servir de plataforma de lançamento para o hello?
Visitei o Brasil várias vezes e fiquei espantado com o quão acolhedores, simpáticos,  expressivos e gentis os brasileiros são. Há muita paixão pela vida e uma abertura para novas experiências. 

O Hello quer captar fãs nostálgicos do Orkut?
A mídia social deveria tornar o mundo um lugar melhor e nos aproximar. Infelizmente, as redes sociais hoje são principalmente focadas em receita, anunciantes e acionistas. A maioria das decisões é tomada porque elas têm um impacto positivo no crescimento, no engajamento ou na receita. Redes sociais deveriam conectar pessoas, tornando todos mais felizes. Mas nos trouxeram ansiedade, insegurança, depressão, solidão e problemas de saúde mental. Queremos mudar isso trazendo de volta a antiga mágica do Orkut. 

Reprodução / Orkut
Página de perfil do antigo OrkutReprodução / Orkut

O que faltou para tornar o orkut mais popular em todo o mundo – não apenas no brasil e na índia –, como o Facebook conseguiu?
O Orkut foi projetado em uma era diferente, com um conjunto muito distinto de restrições e base de usuários. Quando foi lançado, a maior parte do consumo da internet estava em desktops e navegadores. Os telefones não eram tão inteligentes e conectados, e a banda era limitada. Desde então, a maior parte do acesso migrou para plataformas móveis. Agora temos uma geração multitarefa que está em várias redes sociais e online o tempo todo.

Uma crítica às redes sociais é o conceito de bolha – elas reúnem quem pensa de forma semelhante e suprimem as divergências. Existe alguma maneira de quebrar esse padrão?
Padrões podem ser muito destrutivos. As diferenças individuais que possuímos nos dão força. Infelizmente, há tanto medo de rejeição nas mídias sociais que deixamos de ser genuínos. Nós só podemos criar relacionamentos íntimos se nos tornarmos vulneráveis, e a vulnerabilidade vem de compartilhar algo emocionalmente significativo. O risco está no centro disso: paramos de assumir riscos online. Estamos apenas espelhando o que vemos, que muitas vezes é uma cascata de destaques e histórias filtradas, altamente orquestradas, mas não sinceras. Para quebrar a bolha, precisamos ter o conforto de nos arriscarmos e nos expressarmos sem o medo de rejeição.

As redes sociais também se tornaram um terreno fértil para notícias falsas. Como você avalia a reação das grandes empresas de tecnologia diante disso?
As empresas de mídia social têm tomado a maioria de suas decisões com base no crescimento, na receita e no engajamento. Uma das ironias das fake news é que elas ajudam nos três casos. São mais controversas e reúnem atenção, o que faz com que elas se espalhem viralmente. Isso ajuda no engajamento, o que gera cliques em publicidade e, eventualmente, se traduz em crescimento de usuários. As grandes corporações não têm se concentrado em reduzir notícias falsas porque isso não é de seu interesse comercial.

Ao mesmo tempo, as redes são um aliado para a organização popular. A democracia moderna passa necessariamente por interações de rede?
Nós nunca fomos tão conectados pela tecnologia como agora. A tecnologia e as redes sociais têm sido os principais impulsionadores dessa hiperconexão. Isso permite que pessoas da mesma opinião se reúnam; se é uma causa humanitária de caridade, política pública, democracia, protestos e, infelizmente, às vezes até terrorismo. As redes sociais são definitivamente um dos principais facilitadores da democracia moderna.

As redes sociais estimulam as pessoas a derrubarem seus preconceitos, como à homossexualidade, por exemplo, ou, ao contrário, criam elementos para a difusão do ódio? 
Eu realmente aprecio a abertura dos indivíduos para se conectar, se relacionar sem que a sexualidade seja a ênfase principal. Infelizmente, as redes sociais criaram seus feeds com algoritmos, aprendizado de máquina  e inteligência artificial focados no engajamento. Preconceito e incitação ao ódio podem causar engajamento. As redes foram desvirtuadas. É muito importante ter o conjunto certo de recursos e ferramentas disponíveis e também educar a base de usuários para que valores como aceitação, união e amor sejam incentivados em vez de sentimentos de julgamento e ódio.

Outro ponto alarmante é a privacidade dos dados dos usuários. essas informações se tornaram “moeda” para administradores das redes. como combater isso?
As redes sociais precisam ser transparentes sobre o que fazem com os dados dos usuários. Não acho que seja certo se esconder atrás de políticas de privacidade e contratos de termos de serviço que ninguém lê. Os detalhes se perdem em letras miúdas entre muitas páginas. Há dados públicos, como o que você compartilha publicamente. Depois, há dados privados, destinados apenas a você ou à pessoa com quem você compartilha. As empresas têm aproveitado os dados para agradar aos anunciantes, a terceiros e aos acionistas, e não aos seus usuários reais. 

Isso pode mudar? 
Em primeiro lugar, não acho necessariamente que exista uma correlação entre o tamanho da empresa e o quanto ela respeita os dados do usuário. No entanto, quando você é uma grande empresa de capital aberto, está sob escrutínio público e do governo. Você acaba sendo mais consciente e cuidadoso com questões como privacidade, segurança e notícias falsas, porque sua presença é muito visível e você não quer ser acusado publicamente por falta de respeito.

No ambiente de “big brother” da vida hiperconectada, como os usuários da internet devem agir para preservar suas informações pessoais?
Acho que é muito importante que todos pensem na pegada digital que estão deixando. Qualquer coisa que você publique, mesmo que você a exclua imediatamente, tem o potencial de estar lá por toda a eternidade. Temos de ser fiéis à nossa palavra quando somos públicos. Honestidade e integridade realmente importam em nossos relacionamentos pessoais offline, mas também quando postamos informações online. Eu realmente acredito que precisamos ser nossos “eus” únicos e estar abertos e nos expressar sem medo. É assim que construímos pontes, criamos significado e encontramos amizade, companheirismo e amor.

*Zerohora