Quando “Pac-Man” foi lançado há 40 anos em Tóquio, ninguém poderia prever que se tornaria o jogo de fliperama de maior sucesso de todos os tempos.

Embora os videogames fossem um meio relativamente novos, a receita para o sucesso na época já estava bem estabelecida: as pessoas queriam atirar em coisas.

Mas o criador de Pac-Man, um jovem designer de jogos chamado Toru Iwatani, queria tentar algo completamente diferente.

“Quando comecei a elaborar esse projeto no final da década de 1970, os fliperamas estavam repletos de jogos violentos sobre matar alienígenas”, disse Iwatani, que trabalhava para a empresa japonesa de jogos Namco na época.

“Eram lugares sombrios onde apenas os meninos iam. O que eu queria fazer era transformar os fliperamas em lugares mais animados que mulheres e casais pudessem visitar, então achei melhor projetar um jogo pensando nas mulheres”, completou.

Iwatani tinha pouca experiência. Ele estava com 25 anos e preferia trabalhar em máquinas de pinball, não em videogames. Seu primeiro título, “Gee Bee”, de 1978, era essencialmente uma versão digital de um pinball e não foi bem-sucedido.

Havia pouca indicação de que seu próximo projeto mudaria a história dos videogames para sempre. Quando a primeira máquina com Pac-Man foi instalada em um fliperama no distrito de Shibuya, em Tóquio, no dia 22 de maio de 1980, foi exatamente o que aconteceu.

Inspiração

Naquela época, o jogo não se chamava Pac-Man, mas sim PuckMan. “Paku paku taberu” é uma frase popular do Japão para devorar algo, com “paku paku” imitando o som de uma boca se fechando e “taberu” significando “comer”.

“Imaginei que temas como moda e romance poderiam ser mais adequados para um público feminino”, disse Iwatani. “Mas então eu pensei – e isso pode ter sido presunçoso da minha parte – que as mulheres também apreciam o ato de comer, ou ‘taberu’ em japonês, e assim fiquei centrado em torno dessa palavra-chave e do ato de comer como um conceito.”

Ao pensar em ideias para um jogo com base em comida, Iwatani pegou uma fatia de pizza de uma caixa e teve uma epifania: as fatias restantes da pizza inspiraram a forma de Pac-Man, e o resto foi história (ou ainda continua fazendo a história continua, de acordo com Iwatani).Toru Iwatani, designer de jogos e criador de Pac-Man em foto de 1980

Toru Iwatani, designer de jogos e criador de Pac-Man em foto de 1980

Foto: Cortesia/ Bandai Namco

Quando o jogo foi importado para os Estados Unidos, no entanto, o nome “PuckMan” foi considerado inadequado. Embora o personagem titular se parecesse um pouco com um disco de hóquei (Puck, em inglês), a Midway, distribuidora americana do jogo, temia que as crianças mudassem o nome, trocando “P” por “F” para formar um palavrão.

Depois que o nome foi mudado, o jogo se tornou um sucesso instantâneo, com quase 300 mil unidades vendidas em todo o mundo de 1981 a 1987.

Inovações

Pac-Man foi pioneiro em várias inovações na jogabilidade e no design de jogos. Apresentava o primeiro “power-up” – uma pílula que tornava os fantasmas vulneráveis – e as primeiras “cutscenes”, pequenas sequências animadas entre um nível e o próximo. Foi também um dos primeiros jogos do gênero labirinto.

Mas, o mais importante, ele tinha um personagem principal definido, algo inédito na época, de acordo com Chris Melissinos, historiador de videogame e curador da exposição de 2012 do The Smithsonian American Art Museum “The Art of Video Games”.

“Então veio esse jogo colorido e centrado em torno de um personagem que realmente não tem gênero”, disse ele. “E, de repente, encontramos um mascote – o primeiro personagem nos videogames que existia não apenas na arte, mas no próprio jogo.”

“Começamos a ver mulheres entrando nos fliperamas, várias gerações jogando no mesmo espaço. Pela primeira vez, tivemos um jogo que não era sobre agressão, então isso mudou fundamentalmente o tipo de jogo que os designers achavam que poderiam criar”, explicou Melissinos.

Para honrar seu papel como um pilar na história dos videogames, Pac-Man está entre os títulos adicionados à coleção permanente no Museu de Arte Moderna (MoMA) em Nova York em 2012.

“Não apenas ficamos encantados com o uso magistral da paisagem plana, mas também com as boas intenções do autor em relação aos comportamentos humanos com os quais os videogames podem engendrar e brincar”, disse Paola Antonelli, curadora-sênior do MoMA. “Toru Iwatani queria desenvolver um jogo não violento para adolescentes, não apenas para meninos. Ao criar os nêmesis de Pac-Man (fantasmas coloridos), Iwatani optou pela fofura em vez do medo.”Paola Antonelli, curadora-sênior do MoMA joga Pac-Man em exibição de 2013

Paola Antonelli, curadora-sênior do MoMA joga Pac-Man em exibição de 2013

Foto: Emmanuel Dunand/ AFP/ Getty Images

Simplicidade

O apelo de Pac-Man reside, talvez, em sua simplicidade. O jogo não exige que os jogadores pressionem nenhum botão (exceto para iniciá-lo), e o sistema de controle usa um único joystick. No entanto, isso não significa que Pac-Man seja um jogo fácil: na verdade, é difícil de uma maneira que apenas os jogos de arcade clássicos projetados para engolir fichas podem ser.

É por isso que levou quase 20 anos para alguém completar uma partida perfeita de Pac-Man – terminado sem vidas perdidas e com o número máximo de pontos de cada nível.

“Demorou entre cinco a seis horas”, disse Billy Mitchell, que se tornou a primeira pessoa a alcançar uma partida perfeita de Pac-Man, em 1999, e ainda é um dos poucos no mundo a completar essa marca. “A parte mais difícil é ficar sentado ali e permanecer focado continuamente, sem distrações. Você tem um sistema em funcionamento. Se você sair do sistema por um segundo, isso cria um caos total na tela.”

Mitchell concorda que a simplicidade sustenta o sucesso duradouro do jogo. “Não importa quantos anos você tenha ou quando jogou pela última vez, todo mundo entende o que é Pac-Man. Além disso, se você está assistindo alguém jogar, pode entender o drama que está se passando.”

Na partida perfeita, Mitchell chegou ao nível 256 e marcou 3.333.360 pontos. Nesse ponto, o jogo fica sem memória e não consegue mais desenhar uma fase completa; portanto, metade da tela fica distorcida, impossibilitando o progresso. Duvidando que alguém chegaria tão longe, Iwatani e sua equipe nunca sequer programaram um final para o jogo.Billy Mitchell foi o primeiro a chegar na última fase possível de Pac-Man, em 19

Billy Mitchell foi o primeiro a chegar na última fase possível de Pac-Man, em 1999

Foto: Cortesia/ Bandai Namco

No entanto, ele passou meses programando o comportamento dos fantasmas. Nomeados Blinky, Pinky, Inky e Clyde, cada um tem uma “personalidade” que determina sua estratégia.

“Introduzimos um algoritmo similar a uma inteligência artificial que envia os fantasmas para cercar o Pac-Man por todos os lados”, disse Iwatani. “Alguns outros toques que adicionamos incluem reiniciar em uma dificuldade um pouco mais fácil depois que o jogador é pego, ou ocasionalmente mandar os fantasmas mudarem suas rotas para dar espaço para o jogador respirar. Fizemos ajustes para garantir que não estávamos apenas estressando os jogadores.”

A inspiração para a aparência dos fantasmas veio de um mangá japonês chamado “Little Ghost Q-Taro”, que Iwatani leu quando era criança, bem como do desenho animado americano “Casper the Friendly Ghost” (Gasparzinho o Fantasminha Camarada, no Brasil).

“O relacionamento entre o Pac-Man e os fantasmas os coloca um contra o outro, mas apenas de uma maneira muito superficial, que não desperta nenhum ódio real”, disse Iwatani. “É um relacionamento influenciado pelas ideias dos desenhos animados de ‘Tom e Jerry'”.

Legado

Pac-Man teve muitas sequências, a mais popular delas foi “Ms. Pac-Man”. Também abriu caminho para títulos baseados em narrativas, como “Donkey Kong”, oferecendo aos jogos uma saída do estereótipo dos jogos de tiro.

Também é muito viciante: quando o Google substituiu seu logotipo por uma versão jogável do Pac-Man em 2010, resultou em mais de 5 milhões de horas jogadas, gerando perdas de produtividade estimadas em US$ 120 milhões por um estudo.Jogador se diverte com Pac-Man durante feira em Colônia, na Alemanha, em 2019

Jogador se diverte com Pac-Man durante feira em Colônia, na Alemanha, em 2019

Foto: Ina Fassbender/ AFP/ Getty Images

Iwatani trabalhou pela última vez em um título de Pac-Man em 2007 e agora ensina design de jogos na Universidade Politécnica de Tóquio. Ele não está muito impressionado com os jogos modernos e diz que, ao se adaptar a smartphones e outras telas pequenas, as ideias por trás dos jogos também ficaram pequenas.

“Quando Pac-Man foi lançado, os videogames ainda eram algo novo e incomum para todos, exceto os fanáticos por jogos. Para muitas pessoas, acho que acabou sendo sua primeira experiência com videogames”, disse ele, falando sobre o legado de sua criação.

“E hoje, 40 anos depois, ainda é apreciado não apenas por mulheres, mas também por homens, por jovens e velhos, em todo o mundo. Se comparássemos com a música, seria algo como uma música popular que todo mundo sabe e já ouviu falar antes.”

CNN