Em um movimento inédito, mais de 180 empresas globais, entre elas gigantes como The North Face, Coca-Cola, Starbucks e Unilever, informaram nas últimas semanas que deixarão de anunciar em algumas plataformas de mídia social, como Facebook, Twitter e Instagram (que pertence ao Facebook).

Trata-se de um megaprotesto por entenderem que as companhias de tecnologia não fazem o suficiente para reduzir discursos de ódio e desinformação em suas plataformas. Essas multinacionais acreditam que, ao anunciarem seus produtos em ambientes virtuais onde há conteúdos tóxicos, estão depreciando suas marcas. Mais: estão chancelando conteúdos de ódio, que incitam violência e desinformação, entre elas notícias falsas que têm impacto direto na vida das pessoas e na democracia. Ou seja, seus anúncios presentes em plataformas como o Facebook não agregam valor nem à empresa, nem às pessoas nem à sociedade.

Deixar de anunciar no Facebook, por exemplo, é uma maneira de atingir duramente a empresa criada por Marck Zuckerberg. Cerca de 98% do faturamento total da gigante é proveniente de publicidade – US$ 17,4 bilhões dos US$ 17,7 bi no primeiro trimestre deste ano. Ou seja, a iniciativa tira, de fato, o sono de Zuckerberg.

O boicote à publicidade é organizado por grupos de direitos civis como a Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor (NAACP, na sigla em inglês, principal organização do movimento negro nos EUA), a Liga Anti-Difamação (ligado à comunidade judaica) e os Sleeping Giants. Eles criaram um movimento chamado #StopHateforProfit (Dê um Basta no Ódio por Lucro). Na pauta, a campanha exige que a empresa de Zuckerberg crie uma infraestrutura permanente de direitos civis dentro do Facebook, submeta conteúdo a auditorias independentes, procure e remova grupos públicos e privados que publicam conteúdos de ódio e desinformação, entre outras demandas. Os ativistas entendem que protestos, apenas, não são suficientes. Passaram a pressionar no campo corporativo: pediram às marcas que suspendessem seu investimento no Facebook durante o mês de julho.

A ação das empresas ocorre em um momento político importante nos Estados Unidos: depois da morte do negro George Floyd por um policial branco, em Minneapolis, e a cinco meses da eleição presidencial. Nos dois temas, as gigantes de tecnologia são acusadas de não fazerem o suficiente para evitar discursos de ódio, preconceito e desinformação. Um exemplo: no dia 23 de junho, o presidente Donald Trump ameaçou com o uso de “muita força” manifestantes antirracistas que declararam a criação de uma” zona autônoma Casa Negra” em uma área próxima à Casa Branca em Washington. O Twitter manteve o post por considerá-lo de interesse público, apenas sinalizando-o como “comportamento abusivo”. Já o Facebook, que tem adotado a política de não interferir no discurso de líderes políticos, nada fez. Antes, Trump já havia usado discurso agressivo, em 29 de maio, quando, em reação às manifestações raciais pela morte de Floyd, afirmou: “quando começam os saques, começam os tiros”. Twitter também optou por manter a postagem.

Um exemplo de como a desinformação disseminada nas redes sociais pode impactar na eleição de novembro veio a partir do próprio Trump, quando ele postou que votações por correio podem comprometer a validade da disputa eleitoral. Era uma tentativa de desqualificar o processo eleitoral e levantar suspeitas de fraude (nos Estados Unidos, o voto por correio é algo habitual e permitido pela lei eleitoral, ainda mais em tempos de pandemia). O Twitter colocou na mensagem um rótulo de verificação de fatos ao tuíte do presidente, o que iniciou uma briga entre Trump e a plataforma.

Ativistas de direitos civis acreditam que essas medidas bem como as políticas anunciadas pelas gigantes da internet são insuficientes. 

A primeira grande marca a se juntar ao movimento e a deixar de anunciar nas plataformas foi The North Face. Na sexta-feira (26), veio o anúncio da segunda maior anunciante do mundo, Unilever, dona de marcas como Dove, OMO e Hellmann’s. Nas últimas 48 horas, Coca-Cola e Pepsi se juntaram ao grupo, que conta também com Honda, Verizon, Patagonia, entre outras.  

Por enquanto, o movimento ocorre essencialmente nos Estados Unidos, mas, como se tratam de multinacionais, tudo indica que o boicote deve, nos próximos dias, se estender para as filiais em outras nações, como no Brasil.

*Gauchazh